TEXTO, TEXTUALIDADE E ENSINO

Na miscelânea das teorias, na miríade dos nomes e no caleidoscópio das ideias sobre ensino-aprendizagem de língua e literatura, há diversos caminhos possíveis. Este blog propõe esta discussão vista por diversos ângulos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA HISTÓRIA DA LÍNGUA - HERMANN PAUL


Resenha do capítulo XXI - Língua falada e escrita


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA HISTÓRIA DA LÍNGUA
HERMANN PAUL

Cap. XXI – LÍNGUA FALADA E ESCRITA



         No capítulo XXI, Hermann Paul discute a relação entre língua falada e língua escrita. Meu objeto de estudo no doutorado é a língua escrita, especificamente a leitura do texto escrito, por isso a escolha de falar sobre este capítulo.
         O autor abre o capítulo atribuindo à escrita o papel de registrar as mudanças históricas da língua. Ele traça, ainda no primeiro parágrafo do capítulo, duas importantes considerações sobre a escrita: primeiro que ela é uma conversão (não se escreve a língua propriamente dita, mas uma conversão desta para a escrita); segundo que esta conversão é incompleta.
         Ao falar das vantagens da escrita, Paul reafirma seu caráter duradouro em contraste com a efemeridade da fala, além de seu caráter expansivo, isto é, a escrita expande a área de comunicação para muito além da interação face a face.
         Era recorrente em seu tempo a preocupação em estabelecer os limites de registro entre a fala e a escrita. Paul enfatiza a incapacidade de equivalência entre os sons da língua e sua grafia. Hoje, entretanto, esta discussão soa irrelevante, posto que tal discrepância já é sabida  e aceita por todos. Já se sabe, inclusive, que não é papel da escrita tentar copiar fielmente os sons da fala, o que seria impossível e inútil.
 O autor parece sinalizar que a mesma arbitrariedade apontada por Saussure para a constituição do signo também se aplica à escrita quando ele afirma que “na fixação pela escrita da maioria das línguas, não se sentiu a necessidade de empregar um símbolo especial para a nasal gutural e palatal, mas empregou-se para elas o mesmo” (pg. 395). Observe que o autor fala em sentir ou não a necessidade de registro. Há, portanto, um caráter arbitrário e consensual na grafia das palavras e não uma tentativa de cópia da fala. Outro aspecto levantado pelo autor diz respeito ao fato de que as línguas não tiveram seus alfabetos criados para satisfazerem suas necessidades, mas tiveram, antes, alfabetos adaptados de outras línguas. Soma-se a isso o fato de que às línguas podem ser acrescidos elementos semânticos novos que requerem novos recursos fônicos e escritos para seu registro.
Paul faz uma analogia entre fala e escrita com uma obra e seu esboço. Para o autor, a escrita é o esboço que garante que a fala se mantenha ou se transforme. Concordo apenas parcialmente com esta analogia, uma vez que já sabemos que fala e escrita não têm, necessariamente, nenhuma conexão, principalmente quando alcançamos o nível textual em situações de interação real.
Outra característica da escrita evidenciada pelo autor é que ela acaba carregando menos elementos dialetais que a fala. Por este motivo, a escrita e não a fala é mais útil à compreensão nas relações em grande escala, por outro lado isso reforça sua incapacidade de influir na fala. 
Vale, ainda, corroborar a ideia proposta pelo autor de que é na escrita que mais fortemente se manifesta a influência da etimologia. Sem dúvida, percebemos que, na maioria das vezes, só somos capazes de explicar determinada grafia a partir do levantamento histórico da palavra. Um bom exemplo em português é o caso de ‘pedestre’, por que não ‘pestre’, já que ele anda a pé? Porque sabemos que, em Latim, havia a palavra ‘pede’ e daí temos a palavra ‘pedestre’ usada hoje.
O capítulo trata da relação entre fala e escrita apenas do ponto de vista do registro do som e não do uso da língua, aliás, como todo o resto do livro. Sabemos hoje que, na investigação da relação entre oralidade e escrita, devemos levar em consideração as situações de uso, bem como a interação entre os interlocutores, suas intenções, o suporte de tal comunicação, o gênero. Escrita e fala, como sugere Marcuschi, formam um continuum na comunicação humana. Não há o estabelecimento de fronteiras estanques, mas sim, de fronteiras (quando há) flexíveis e maleáveis. O advento da internet tornou esse continuum ainda mais fluídico, afinal, o MSN é produção escrita ou é uma fala que foi transcrita?
De modo geral, penso que o livro tem um valor histórico importante, mas em muitos aspectos se encontra ultrapassado. Vale, obviamente, como observação de como as ideias linguísticas evoluíram ao longo do tempo e de como nada, segundo Bakhtin (1997), nasce do vazio. O discurso é sempre dialógico em constante interação com outros discursos.



Referência

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução feita a partir do Francês por Maria E. Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2ª. Ed.,1997.
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.



OBRA
PAUL, H. Princípios fundamentais da História da Língua. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983




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