TEXTO, TEXTUALIDADE E ENSINO

Na miscelânea das teorias, na miríade dos nomes e no caleidoscópio das ideias sobre ensino-aprendizagem de língua e literatura, há diversos caminhos possíveis. Este blog propõe esta discussão vista por diversos ângulos.

terça-feira, 7 de maio de 2013

REFLEXÃO SOBRE "GÊNESE DOS DISCURSOS" - DOMINIQUE MAINGUENEAU


Breve reflexão sobre o livro "Gênese dos discursos" do linguista francês Dominique Maingueneau, relacionando com a tese sendo desenvolvida no programa de doutorado em Língua Portuguesa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.




Maingueneau, no capítulo “Primado do interdiscurso” apresenta as formas com que, normalmente, os linguistas distinguem as duas presenças do ‘outro’ em um discurso: a heterogeneidade ‘mostrada’ e a heterogeneidade ‘constitutiva’.  Para o autor, o princípio da alteridade, conceito importante também na obra de Bakhtin (1997), só é perceptível na heterogeneidade mostrada, aquela que deixa marcas visíveis no texto (citação, autocorreções, aspas etc).
            O conceito de interdiscurso de Maingueneau transcende a ideia dessa alteridade mostrada e se liga mais à de uma heterogeneidade constitutiva, posto que o interdiscurso é parte inseparável da constituição do próprio discurso. Em outras palavras, Maingueneau sugere que, ao construir o meu discurso, o discurso do outro, inevitavelmente, sempre fará parte dele.
            É impossível não concordar com Maingueneau. O próprio fato de concordar com ele já comprova que sua tese se comprova (com a licença poética da redundância), pois só me é possível concordar a partir dos outros discursos que fazem parte deste que agora componho. Para argumentar a favor da ideia do interdiscurso, lanço mão, ainda que não diretamente, dos conhecimentos acumulados pelo contato com outros discursos e isto é o interdiscurso. Tenho entendido o interdiscurso como este lugar oscilante que reside no ‘entre’, no espaço tênue que existe entre o que se produz e aquilo que sustenta o que se produz. O interdiscurso, para mim, não está nem no novo nem naquilo que já havia antes, ele está, exatamente, no encontro abstrato destes dois espaços que se materializa no texto.
            O texto é, portanto, não mais a materialização do discurso, como supuseram e ainda supõem alguns teóricos (MARCUSCHI 2001, POSSENTI 1996). Parece-me que o texto deve ser entendido como a materialização do interdiscurso, pois ele será sempre processo e resultado do encontro entre vários discursos. Digo processo e resultado porque não entendo texto como resultado de um processo, mas como o próprio processo em si, isto é, fazer um texto já é texto: o ato já significa. Tudo isto, obviamente, dentro de uma perspectiva, que deve ser questionada, na qual se concebe o texto como materialização do discurso.
            Somos seres discursivos. Não existimos fora do discurso, pois é pelo discurso que nos inventamos e que inventamos tudo o que existe ao nosso redor. E tudo está sempre em comunhão e em choque. Entendo os universos que habitam nossos universos discursivos como estranhas paralelas que de vez em quando se esbarram ou se tangenciam. Palavras, gestos, olhares, andares, cores, enfim, uma gama infinita de sinais, símbolos, ícones carregadíssimos, sempre, de significados e, portanto, dotados de discurso inundam nossas vidas diariamente e fazem, na verdade, do caos que significa viver, algo com um pouco mais de sentido. É o discurso, melhor, o interdiscurso, e não Deus, quem dá ordem ao caos, posto que Deus é somente mais um produto desse interdiscurso.
            Percebo agora que meu compasso se abriu por demais e agora tentar trazer meu círculo de volta à discussão sobre minha tese (tarefa proposta para este trabalho) pode comprometer o texto que ora se materializa, enfim, eis meu desafio. Por se tratar de um texto, minha tese encerra em si o interdiscurso acadêmico (no meu caso, como sou poeta, trago em mim a intersemiose, a interlinguagem, que me impossibilita de ter os dois pés na mesma ilha – apesar dos meus esforços – te(i)mo em afogar). Isso, sei, já poderia ser suficiente – minha tese se encaixa ao que Maingueneau propõe: é um texto, portanto, é interdiscurso. Entretanto, creio que há uma expectativa maior por parte do meu leitor (que não é qualquer um) a respeito que agora ele lê.
Tentarei.
Minha pesquisa se volta para a formação do professor de português, mais especificamente a formação inicial, que acontece na licenciatura em Letras. Pretendo conhecer, analisar e entender as crenças desses futuros professores sobre leitura e seu ensino. Crenças são saberes não científicos advindos das interpretações do sujeito das suas experiências na vida (BARCELOS 2004, 2003; PAJARES 1992; LUZ 2012, 2007), é como se vivendo e interpretando aquilo que vive, o sujeito fosse criando um arcabouço teórico da própria vida. Neste caso, este arcabouço teórico diz respeito à leitura.
            Para acessar tais crenças, faço uso de alguns instrumentos: entrevistas, narrativas pessoais, observação de aulas, inventários, questionários. Estes instrumentos precisam, necessariamente, dialogar entre si para que seja possível uma compreensão mais abrangente dos dados. Conhecer as crenças de um sujeito é um processo muito complexo (PAJARES, 1992), principalmente porque, em muitos casos, nem este próprio sujeito tem consciência delas. Por isso, então, faz-se necessária a aplicação de vários instrumentos e a comparação dos dados obtidos com cada um.
            Cada instrumento produz um texto, um discurso e o discurso final, ou o texto final será, inevitavelmente, o resultado da combinação, do diálogo desses textos todos ou desses discursos todos, somados, a todos os outros textos ou discursos que tenho lido com a finalidade de embasar minha análise. Falar, portanto e à guisa de um conclusão, que minha tese e a teoria defendida por Maingueneau dialogam intimamente seria abusar do pleonasmo – figura de linguagem que faço uso em meus textos de literatura, mas que procuro evitar se estou tentando me manter, discursivamente, no universo da linguagem técnica.
     




REFERÊNCIA

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARCELOS, Ana M. F. Crenças sobre aprendizagem de línguas, Lingüística Aplicada e ensino de línguas in: Linguagem Ensino, Vol. 07, no. 1. pp. 123 – 156 Pelotas: Educat, 2004a.
_____, A. M. As crenças de professores a respeito das crenças sobre aprendizagem de línguas de seus alunos in: GIMENEZ, T. (org.) Ensinando e aprendendo inglês na universidade: formação de professores em tempos de mudança. Londrina: ABRAPUI, 2003.
LUZ, Leandro T. A. Crenças de futuros professores de português sobre gramática e seu ensino in: CINTRA, Anna M. M. e PASSARELLI, Lilian G. A pesquisa e o ensino em Língua Portuguesa sob diferentes olhares. São Paulo: Blucher, 2012.
____, Leandro T. A. Discutindo o conceito de crenças na formação inicial do professor de línguas: Reflexões sobre um conceito em consolidação in: Trabalhos em Linguística Aplicada – UNICAMP, 2007
MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001.
PAJARES, M. Frank. Teacher’s beliefs and educational research: cleaning up a messy construct. Review of Educational Research, v. 62, pp. 307 – 332, 1992
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas – SP: Mercado de letras, 1996



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