O português do
Brasil não é um. O português do Brasil são milhões. O português do Brasil somos
todos nós – todos nós e nossas variações linguísticas. Variações estas que
ocorrem em decorrência de determinados fatores, tais como: evolução histórica
do idioma; localização geográfica; influência de línguas locais (indígenas) e
estrangeiras; faixa etária; nível de escolaridade; grupos sociais etc e que
representam um riquíssimo patrimônio da nossa cultura.
Antes de ser
um problema, a variação linguística é fundamental para a sobrevivência de uma
língua. Segundo a teoria da evolução das espécies de Darwin, está nas
diferenças genéticas a chave da longevidade de uma espécie, uma vez que se
atacada por uma moléstia, nem todos da espécie serão mortos. Do mesmo modo, a
diversidade é o que garante que uma língua não se extinga ou não se isole –
cada vez que a língua encontra uma novidade social que ela, por sua vez,
precisa representar; a língua, então, renova-se
e se transforma. Assim aconteceu com todas as invenções modernas do século XX,
por exemplo, e, mais particularmente, com o advento da internet e de todo o seu
léxico. Variação linguística é, portanto, não só inerente às línguas, mas
fundamental para a manutenção de sua existência.
Entretanto,
há, ainda, muito preconceito em relação a alguns falares. A verdade é que a
discriminação que certos grupos sociais sofrem estende-se ao seu falar. O
pobre, o negro, o homossexual, o nordestino, por exemplo, são grupos que sofrem
diversos preconceitos e o linguístico é apenas mais um. Fato é que o falar
desses grupos nada tem de inferior ou errado – eles conservam a marca de sua
identidade – e precisam, pois, ser respeitados e, mais que isso, valorizados.
A classe
dominante não só oprime as outras economicamente, mas também linguisticamente. Privilegia-se
um modelo de falar que se torna norma e quem não se submete a ele está
excluído. Isso, além de cruel – posto que alija o sujeito de sua cultura – é injustificável
do ponto de vista linguístico. A diversidade linguística, assim como as outras
que hoje se discutem – diversidade cultural, diversidade sexual etc – é algo
extremamente precioso e necessário. Somos seres diversos e, também somos seres
culturais. Nossa diversidade, ao lado de nossa cultura são pontos basilares
para a constituição de nossa identidade – cercear o direito à diversidade
linguística é, pois, amputar do sujeito parte fundamental de sua identidade.
Por outro
lado, é direito de todo cidadão ter acesso a outras variantes, além da sua
própria. É direito, portanto do menino que adentra a escola, conhecer outros
falares, dominar outras escritas, expandir, em outras palavras, seu universo
linguístico. Dentre todo este novo conhecimento, é direito dele conhecer,
também, a chamada norma culta padrão – principalmente pelo fato de que, para o
bem ou para o mal, é ela que ainda garante a todos os mesmos direitos, é ela
que assegura, ainda, a chance de alguma ascensão social.
À escola cabe
a difícil tarefa de introduzir o aluno a um universo linguístico múltiplo e
diversificado, respeitando suas idiossincrasias e, ao mesmo tempo,
indicando-lhe o modo dito ‘correto’ de se expressar. Este processo, entretanto,
não deve se dar de modo acrítico e apolítico, muito pelo contrário: o professor
deve estar consciente de que está ensinando ao dominado a língua do dominante,
exatamente, para que ele possa deixar de ser dominado.
Língua não é
algo neutro ou inocente, ela existe, também, para disseminar e impor
ideologias. Foi assim com a dominação católica durante toda a Idade Média, por
exemplo. Foi assim durante o processo de colonização que sofremos e é assim,
hoje, quando somos bombardeados por uma mídia corrompida, cujo único interesse
é garantir lucros a quem a patrocina. Nesse sentido, cada cidadão é um
consumidor em potencial e consome mais um povo que fala a mesma ‘língua’, por
isso a cruel tentativa de homogeneização de nossos falares empreendida pelos
meios de comunicação de massa. A língua é tão avessa à neutralidade que compõe,
inclusive, a autoestima dos sujeitos: ao acreditar que a língua que fala é
errada, o sujeito excluído está aceitando a sua exclusão como algo que ele merece.
Não é
possível, diante de tudo aqui exposto, pensar que ensinar língua não é um ato
político, um ato libertador, um ato de distribuição de ‘renda’. Não falo de uma
renda monetária, mas de uma renda cultural – certamente ainda mais importante
que a outra.
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