PERÍODO ELISABETANO: UM BREVE ESTUDO
Prof. Ms. Leandro Luz
All the world’s a stage
And all the men and
Women merely players.
William Shakespeare (as you
like it)
O Renascimento, ou
Renascença, é conhecido, na Inglaterra, como
‘Período Elisabetano’.
O objetivo deste estudo é discutir alguns dos mais
importantes aspectos desse período, bem como de seus principais poetas e
dramaturgos.
Antes de qualquer coisa, é importante entender alguns
fatos históricos e algumas características do Renascimento. É válido também tratar
dessa forte mulher, tão importante que um dos mais fecundos períodos da
literatura e da arte inglesa é batizado com seu nome.
O RENASCIMENTO:
O
Renascimento, movimento filosófico e cultural dos séculos XV e XVI, nascido na
Itália e espalhado por toda a Europa, foi iniciado pela burguesia, que estava
se formando ao redor dos feudos, nos conhecidos burgos. Tem como principais
características o humanismo e o antropocentrismo. Petrarca (1304 – 1374 /
precursor do humanismo e inventor do soneto), Bocaccio (1313 – 1375 /
considerado o primeiro grande realista da história da literatura universal) e
Dante (1265 – 1321 / “A divina comédia”, importante resgate clássico) são
importantes nomes da literatura da Renascença italiana, que influenciaram o Renascimento
inglês, aliás, já é sabido da influência desses nomes na literatura inglesa
desde Chaucer (1343 – 1400).
A Renascença
teve três principais pilares de sustentação: a razão: como manifestação do
espírito humano, que aproximava o indivíduo de Deus; o privilégio às ações
humanas – humanismo: reprodução de situações do cotidiano e o elogio às
concepções artísticas da Antiguidade Clássica.
O humanismo,
que está no cerne do Renascimento pode ser entendido como “perspectiva
filosófica que salienta o valor intrínseco, a dignidade e a racionalidade dos
seres humanos” (ROHMANN, 2000, p. 200).
Segundo Burckardt (apud BERTHOLD, 2006, p. 269) “as
duas molas propulsoras da Renascença foram a liberação do individualismo e o
despertar da personalidade”.
Para entender o que diz o autor, é preciso recuar
alguns anos na História. Durante toda a Idade Média, não houve individualismo.
Não havia espaço para as questões e angústias individuais, o que importava era
a servidão a Deus, a obediência cega à Igreja. Não havia, portanto, discussão
sobre personalidade. Se alguém nascia vassalo, seria vassalo sempre; do mesmo
modo, se alguém era ungido com um trono e um cetro, seria rei sempre, era um
dom divino.
O Renascimento representa, dessa forma, um emergir do
homem, uma busca de entender questões relacionadas ao cotidiano desse homem,
que não é só mais um. O homem passa a ter idiossincrasia, passa a ter direitos
e a questionar seus deveres.
A arte busca no Classicismo greco-romano as bases
para esse novo pensamento. O homem deixa de se anular em nome de uma religião,
cujo principal interesse era exatamente garantir essa anulação do homem, em
favor de seus próprios interesses, nem sempre tão divinos assim.
Evidentemente, esse processo não aconteceu
rapidamente nem de maneira fácil e pacífica. A igreja não aceitou tamanha
mudança de comportamento. Veja o drama, por exemplo, durante a Idade Média, a
Igreja usou o teatro como forma de doutrina, acontecendo dentro das igrejas ou
ao redor delas, de forma processional. Quando o teatro adquire certa
secularidade e deixa de ser interessante à Igreja, ela o proíbe então.
DINASTIA TUDOR E RAINHA
ELIZABETH
Na Inglaterra, um passo decisivo em direção a essa
ruptura com a Idade Média, pelo menos no que tange à religiosidade, foi o
rompimento do rei Henrique VIII (1491 – 1547), pai da rainha Elizabeth (1533 –
1603), com a Igreja Católica.
O rei casou-se com Catarina de Aragão em 1509 e, com
ela teve um filho que viveu apenas poucos meses e Mary (1516 – 1558), que, mais
tarde viria a ser rainha, mas antes foi tratada como filha ilegítima do rei.
Como a Igreja não aceitou o divórcio do rei e seu casamento com Ana Bolena
(1500 – 1536), mãe de Elizabeth e condenada injustamente à morte mais tarde
pelo próprio rei, por não lhe dar um herdeiro homem, ele rompe com o Papa e
funda sua própria religião: o Anglicanismo. Na nova religião Inglesa, o chefe
era o próprio rei. Assim, o rei Henrique VIII, considerado um dos mais cruéis
reis da História, eliminou qualquer resistência da Igreja ao seu reinado.
O rei Henrique VIII casou-se mais quatro vezes. Sua
terceira esposa, Jeyne Seimour, morreu dez dias após dar à luz seu herdeiro
varão, o príncipe Eduardo (1537 – 1553). O rei morreu em 1547, obeso e com
indícios de sífilis.
Com a morte do rei, sucedeu-se uma série de ascensões
e quedas no trono britânico. O primeiro no poder foi o príncipe Eduardo, então
com menos de dez anos. O Rei Eduardo VI, como foi chamado, foi o terceiro da
dinastia Tudor (Henrique VII e Henrique VIII o sucederam) e o primeiro rei
protestante da Inglaterra. Ele morreu cedo, aos 15 anos.
Com sua morte, Lady Jane, prima do rei e protestante
fervorosa sobe ao trono, mas por apenas alguns dias, logo é substituída por
Mary, filha do primeiro casamento do rei. Mary é católica e restabelece laços
com Roma. Com sua morte, Elizabeth sobe ao poder. Há, ainda uma forte disputa
entre Elizabeth e a rainha deposta da Escócia, sua prima Mary Stuart (1542 –
1587). Mary conspira contra a prima, é descoberta e acaba decapitada em 1587.
A rainha Elizabeth, também conhecida como a Rainha
Virgem, sofreu diversos atentados e conspirações. Era protestante moderada e
enfrentou, durante seu reinado, a Espanha, então maior força bélica da Europa.
Com o passar dos anos, Elizabeth conseguiu estabelecer a paz e a prosperidade
na Inglaterra. Exatamente o que era preciso para que emergissem grandes
artistas nacionais.
O DRAMA E O TEATRO ELISABETANOS
A literatura
do período elisabetano não foi exatamente original. Essa busca pelo classicismo
significou uma retomada de antigos ideais. Antigos textos passaram a ser
relidos e reintegrados à vida artística do século XVI. Dentre os clássicos,
podemos destacar Sêneca (tragédia) e Plauto (comédia) (BURGESS, 2001) como os
maiores influenciadores.
Plauto (254
a.C. – 184 a.C.) foi um comediógrafo romano que, apesar do pouco estudo,
influenciou muito o teatro elisabetano. Tem como principal característica uma
“comédia de situações robusta, na qual predominavam elementos farsescos e
chistes burlescos. Personagens cômicas, identidades trocadas, intriga e
sentimentalismo burguês...” (BERTHOLD, 2006, p. 144)
Sobre Sêneca
(4 a.C a 65 d.C), Berthold (2006, p. 270) afirma que
Se fôssemos escolher um marco
para a “Renascença” do teatro, a data seria 1486. É o ano em que a primeira
tragédia de Sêneca foi montada em Roma pelos humanistas e a primeira comédia de
Plauto pelo duque de Ferrara.
A tragédia romana, especialmente a de Sêneca influenciou
os autores Elisabetanos mais que as tragédias gregas especialmente pelo seu
nível de violência e de ação. Sêneca escreveu oito tragédias e foi condenado
por Nero a se matar, por uma possível conspiração contra o ditador romano.
Segundo Burgess (2001, p. 75)
(...) havia três maneiras de ser
influenciado por Sêneca. Uma consistia em lê-lo (provavelmente na escola) no
original; a segunda era ler certas peças francesas que revelavam sua
influência, mas diluíam sua linguagem; a terceira era ler as peças italianas
que se auto-intitulavam “à maneira de Sêneca”, mas estavam cheias de horrores
encenados no palco. Essa terceira maneira era a mais popular entre os
dramaturgos elisabetanos, incluindo Shakespeare.
É possível perceber que o drama elisabetano se
caracteriza pela imitação de modelos que imitam outros modelos. Isso em nada
diminui a grandiosidade desse teatro. Ele nasce assim, é verdade, mas evolui
para tornar-se também imortal e influenciador de tudo que lhe sucedeu, até
hoje, de certa forma. Nesse sentido, vale lembrar que as grandes tragédias
gregas escritas por Ésquilo, Sófocles e Eurípedes não eram exatamente
originais, eram antes, histórias largamente conhecidas pelo povo. O valor
dessas peças estava mais na elaboração da trama, do que na originalidade dela.
A rainha Elizabeth e seu sucessor, rei Jaime I (1566
– 1625), foram profundos admiradores e incentivadores do teatro. É durante o
reinado de Elizabeth, mais precisamente, na segunda metade do seu reinado, que
o drama elisabetano começa a se fazer grandioso.
A Londres do século XVI havia se transformado não só
num centro econômico, talvez o mais importante da Europa, mas também num
importante centro cultural. Para lá iam jovens de todas as regiões da Inglaterra
a fim de melhores oportunidades de vida. Um desses jovens, vindo de Stratforf-Upon-Avon,
veio a tornar-se o maior dramaturgo de todos os tempos: William Shakespeare.
Quando Shakespeare chega em Londres, encontra uma
cidade culturalmente avançada, ainda que as autoridades - o clero, os políticos
e os nobres, tivessem diferentes e divergentes opiniões sobre o teatro.
Felizmente, Elizabeth estava do lado da arte. Graças à rainha e a outros
membros da nobreza, os atores passam a ser vistos como profissionais e a
merecerem alguma consideração (BERTHOLD, 2006).
Constantemente,
os teatros eram fechados pela igreja ou pelo prefeito, ou censores, devido ora
a ‘abusos’ ora a doenças. Os dramaturgos, como Shakespeare, por exemplo,
ganhavam seu sustento de seu trabalho com o teatro. Assim, precisavam mantê-los
abertos e funcionando, daí a importância da figura da rainha os apoiando.
O espaço teatral
elisabetano tinha uma estrutura muito particular.
Vale
observar a descrição de Berthold (2006, p. 318) sobre o ‘The Swan”, construído
em 1595 por Francis Langley
A estrutura cilíndrica acomoda
três galerias de espectadores, sendo a mais alta protegida por um telhado
inclinado para dentro. O círculo fechado do auditório é acessível por dois
lances de escadas pelo lado de fora, dentro eleva-se acima da estrutura do
palco. O amplo pódio de atuação, denominado proscaenium, projeta-se na arena
interna descoberta. Duas portas levam ao mimorum aedes, camarins e
contra-regragem. Em cima há uma galeria coberta por um toldo suportado por
pilares. Esta poderia ser ocupada por músicos, tornar-se parte da peça como um
palco superior ou servir de camarote.
Acima dessa galeria eleva-se um
estreito atiço com duas janelas e um balcão à direita. Dali o corneteiro
anunciava o começo da apresentação.
Burgess
(2001, p. 80) assim define o teatro elisabetano
Um edifício que não se
distinguia em nada da arquitetura de uma hospedaria, quatro lados do edifício
dando para um grande pátio, com o palco no fundo do pátio. Um terço das
galerias (ou varandas), que conduziam originalmente para os quartos de dormir,
fornecia os lugares para os ‘mais afortunados’, enquanto as pessoas comuns
ficavam no pátio
Abaixo,
temos uma imagem do “The Globe”, o teatro mais famoso de Londres, onde, muitas
das mais famosas peças de Shakespeare foram apresentadas.
A existência de um espaço teatral representa um avanço em relação à
Idade Média, quando as peças eram apresentadas em igrejas ou em praças.
A estrutura
física do teatro elisabetano permite uma maior aproximação do ator com a
platéia. Havia uma parte do palco que se estendia até quase o meio de onde
ficavam as pessoas, em pé. Dessa forma, a platéia assistia às encenações muito
perto dos atores e, por vezes, podia tocar nos figurinos e expressar suas
opiniões sobre a ação ou a atuação dos atores em voz alta.
O teatro
elisabetano era extremamente popular e democrático. A ele todas as classes
tinham acesso, em espaços distintos, pagando preços diferenciados. Havia a
nobreza, as autoridades, os comerciantes, o povo, os desgarrados, enfim, uma
profusão de pessoas e personalidades. Os espetáculos precisavam agradar a
todos, por isso, nas peças, principalmente as de Shakespeare, e nisso, talvez
resida sua maior genialidade, é possível encontrar excertos de poemas líricos,
ao lado de cenas de violência e sangue. É possível encontrar num texto
shakespeariano, o belo e o grotesco, o sublime e o carnal, o ódio e o amor, a
luta de espadas e o diálogo corriqueiro entre amas e senhoras, enfim, um
arsenal de situações para agradar a esse público tão heterogêneo e exigente.
Foi um
período em que atores e autores fizeram fortuna. É importante lembrar que,
nesse período as mulheres não eram autorizadas a representarem em teatros,
assim, os papéis femininos eram executados por atores.
As
apresentações precisavam aproveitar a luz do sol, por razões óbvias, assim,
costumavam começar por volta das quinze horas e terminar no máximo às
dezessete. Os teatros passaram a ser pontos de encontro e de transações de
diversos tipos: prostitutas atendiam clientes durante as encenações, vendedores
ambulantes anunciavam seus produtos, credores e devedores se encontravam e, por
vezes, desentendiam-se. Não era um ambiente silencioso e harmonioso, era antes,
uma mistura ‘fervilhante’ de humores e interesses diversos e, por vezes,
divergentes.
PRINCIPAIS DRAMATURGOS
ELISABETANOS
Thomas Kid (1558 – 1594 / pai da tragédia de vingança):
Thomas kid escreveu A tragédia espanhola, com direta inspiração de
Sêneca e influenciadora das tragédias shakespearianas de vingança. Trata-se do
“assassinato de Horatio – que está apaixonado pela bela Belimperia – cometido
por agentes de seu rival na paixão. Hieronimo, Grande Cavaleiro de Espanha e
pai de Horatio, passa o resto da peça planejando vingança” (BURGESS, 2001, p.
76). A linguagem de Kid é memorável e, particularmente importante para entender
a obra de Shakespeare, porque ao que tudo indica, ele inspirou a história de Hamlet,
considerada por muitos, sua obra-prima.
John Lyly (1554? – 1606): “Primerio criador ‘polido’ de comédias” (BURGESS,
2001, p. 78). As peças são encantadoras: Endimion ( história de amor
entre a lua e um mortal), Mãe Bombie, Midas e Campaspe (rivalidade entre
Alexandre , o Grande e um pintor, Apelles, pelo amor da bela prisioneira
Campaspe). Lyly foi senador e sua obra é fundamental no período elisabetano,
ele criou o ‘eufuismo’ (euphuism), estilo altamente elaborado e
artificial, suntuoso e afetado, com cadência e cheio de aliterações.
George Peele (1558? – 1597): autor de O conto da
velha viúva – “uma das primeiras tentativas de uma sátira dramática sobre
aqueles contos românticos de encantamento e cavalaria que ainda eram tão
populares na Inglaterra” (BURGESS, 2001, p. 79). Ele era também proprietário de
um teatro.
Ben Johnson (1574 – 1637): Ao contrário de
Shakespeare, Johnson era um classicista nas regras poéticas e dramáticas. Suas
peças respeitavam as unidades aristotélicas: a ação leva menos de um dia e a
cena nunca muda o cenário inicial. Johnson tinha ainda uma teoria do personagem
dramático, na qual, o ser humano é fruto de uma combinação simples e quase
mecânica de quatro elementos, ou humores: sanguineo, colérico, fleugmático e
melancólico. Esses humores se misturam em diferentes combinações formando as
diferentes personalidades. Escreveu Volpone e o Alquimista, com o
mesmo tema: o uso da credulidade das pessoas em proveito próprio. Johnson é o
maior dramaturgo do ‘realismo’ (BURGESS, 2001, p. 102). Ele se empenha em criar
sua obra a partir de situações de sua própria época.
Christopher Marlowe (1564 – 1593): Introdutor do
verso branco e considerado por muitos até superior a Shakespeare, Marlowe teve
sua vida brutalmente ceifada a facadas numa taverna antes dos 30 anos. As
circunstâncias de sua morte ainda são um mistério. Como todos os sábios da
Universidade, tinha má reputação: ateu, ligado a ladrões, tinha amantes, vivia
em conflitos com a polícia. Sua principal obra consta de cinco peças: Tamberlao,
Doutor Fausto, O judeu de Malta, Eduardo II e Dido, rainha de Cartago. Ele
representa a primeira voz autêntica do Renascimento inglês.
Segundo Burgess (2001, p. 83):
Marlowe sintetiza a Nova Época.
As antigas restrições da Igreja e as limitações impostas ao conhecimento tinham
sido destruídas; o mundo começa a abrir-se, e os navios estão singrando para
novas terras; a riqueza está sendo acumulada; os grandes invasores nacionais
estão surgindo. Mas, acima de tudo, está o espírito da liberdade humana, do
ilimitado poder e capacidade de empreendimento humano que as peças de Marlowe
transmitem. Tamberlao é o grande conquistador, a encarnação do poder tirânico;
Barabas, o judeu de Malta, refere-se ao poder monetário; Fausto representa a
mais mortal de todas as fomes, a do poder que o supremo conhecimento pode dar.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BERTHOLD, M. História mundial
do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2006.
BURGESS, A. A literatura
Inglesa. São Paulo: Ática, 2001.
ROHMANN, C. O livro das idéias.
Rio de Janeiro: Campos, 2000.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
LEGOUIS, E. e CAZAMIAN, L. A history of English Literature. New York – USA: the Macmillan Company, 1948.
Literature and the language Arts – The British tradition – The EMC
masterpiece series. Minsesota – USA.
Parabéns! o seu texto foi muito bem escrito, é de extrema dificuldade encontrar a respeito do renascimento cultural e artístico na Inglaterra.
ResponderExcluirMuito obrigada, o descrito me ajudou muito.
Ótimo texto referência claras e objetivas na quais eu ainda não tinha conhecimento me ajudou e muito .
ResponderExcluirMeus parabéns !!!
Muito bom o texto, bem elaborado.
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